Para quem é uma pessoa da geração X ou Millenial como eu, acredito que é muito comum ter as empresas e marcas europeias no "Top of Mind" quando se pensa em aparelhos eletrônicos ou mecânicos que marcaram a nossa infância e parte da adolescência.
Mas passadas algumas décadas, e com todas as transformações advindas da nossa "migração" para a era digital, me parece meio evidente que esse não é mais o caso para os serviços digitais (salvo alguns poucos casos).
Ou seja, não faltam gigantes europeus de outras eras, seja a industrial seja até mesmo a eletrônica, mas no mundo de serviços digitais a Europa realmente não possui quase nada comparado aos EUA e à Ásia (no caso da Ásia, destaco especialmente a China).
Deixo aqui a recomendação de um artigo excelente para a reflexão de porque a Europa não possui tantos expoentes globais na economia digital:
https://thefluidsociety.com/without-big-tech-europe-falls-behind/
O infográfico dessa matéria é altamente ilustrativo por si só.
A análise do caso europeu
O mundo digital prospera principalmente graças à internet global e aos serviços que operam nela, com as empresas de Big Tech dominando esse mundo como utilidades digitais.
Nenhuma organização ou cidadão consegue contornar seus serviços e toda nova tecnologia inventada reforça a importância de boas conexões de internet com serviços em nuvem, bem como a dependência das Big Tech que controlam esses meios.
Enquanto as infraestruturas físicas tradicionais sustentaram o crescimento no século passado, o mundo digital floresce com base em uma infraestrutura predominantemente intangível.
O poder que as Big Tech adquiriram gera controvérsias, pois, por um lado, há queixas e propostas para limitar essas empresas, acusadas de não protegerem suficientemente os interesses, especialmente a privacidade, de seus clientes.
Por outro lado, todos continuam a usar seus serviços, predominantemente gratuitos, mas ainda assim exigem padrões de serviço.
As Big Tech devem ser consideradas como utilidades do mundo digital e reguladas como tal. Isso pode significar que pagamentos serão necessários pelos serviços, enquanto essas empresas terão de cumprir regras relativas à privacidade e qualidade de serviço.
Além disso, a Europa se encontra em uma posição delicada, dependente das Big Tech não europeias, o que ameaça sua autonomia e potencial econômico.
A ausência de gigantes tecnológicos europeus no mercado global coloca o continente em uma desvantagem crescente, similar à dependência anterior da Europa em relação ao gás russo.
O Panorama Regulatório e de Incentivos na Europa
A Europa, conhecida por seu rigoroso quadro regulatório e vastos programas de incentivos estatais, enfrenta desafios únicos no cenário global da tecnologia.
Vale explorar se o excesso de incentivos e regulações pode estar, paradoxalmente, limitando o potencial europeu de inovação e crescimento no setor tecnológico.
A Europa se destaca por seu compromisso com regulações detalhadas, destinadas a proteger interesses de consumidores, manter a justiça de mercado e garantir a segurança dos dados.
Adicionalmente, a União Europeia e governos nacionais oferecem uma gama de incentivos destinados a fomentar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico.
Estes mecanismos são concebidos com a intenção de apoiar startups, impulsionar a inovação e mitigar os riscos financeiros associados ao desenvolvimento de novas tecnologias.
Contudo, essas regulações e incentivos, embora bem-intencionados, são frequentemente criticados por sua rigidez e complexidade.
Eles podem inadvertidamente criar barreiras ao crescimento rápido e à agilidade necessária para competir no mercado global de tecnologia, onde a inovação rápida e a adaptação são cruciais.
A Experiência dos Mercados "Mais Livres"
Em contraste, os Estados Unidos e alguns mercados asiáticos apresentam um quadro regulatório consideravelmente menos restritivo no que diz respeito à tecnologia e inovação.
Esses mercados mais "livres" têm navegado na era digital com uma abordagem distinta, colhendo frutos diferenciados.
Nestes mercados, empresas de tecnologia têm maior liberdade para experimentar, desenvolver novos produtos e serviços, e expandir-se rapidamente sem o peso de um controle regulatório extensivo.
A cultura de capital de risco nesses países também desempenha um papel vital, fornecendo o capital necessário para que as startups cresçam exponencialmente sem a necessidade de apoio estatal significativo.
Esta combinação de flexibilidade regulatória e suporte financeiro robusto tem sido um catalisador para o surgimento de gigantes da tecnologia, como evidenciado pelo domínio das empresas de Big Tech americanas e o crescimento explosivo de conglomerados tecnológicos em países como China e Coreia do Sul.
Reflexão Crítica: Excesso de Regulação e Incentivo?
Surge, então, a questão: será que o rigor regulatório e os incentivos estatais da Europa estão, de fato, mais prejudicando do que auxiliando?
É possível que, ao tentar proteger demais e controlar demasiadamente, a Europa esteja sufocando a criatividade e a inovação.
A burocracia pode retardar decisões críticas, e a dependência de fundos governamentais pode desincentivar investimentos privados mais agressivos e orientados ao mercado.
Além disso, a uniformização forçada de regulações em uma união de países tão diversos pode não ser a abordagem mais eficaz.
Cada estado-membro enfrenta desafios e oportunidades únicos que poderiam ser melhor explorados através de políticas mais flexíveis e adaptadas localmente, permitindo que as regiões mais inovadoras prosperem sem serem retidas por normativas que fazem mais sentido em outros contextos.
Fazendo um paralelo com o Brasil e a América Latina
Quando penso em tecnologia de ponta, em serviços e devices tanto no mercado consumer quanto no enterprise nessa última década (com toda a aceleração da transformação digital), são comparativamente poucos os grandes exemplos de expoentes de mercado que sejam sediados na Europa, e menos ainda na América Latina.
Talvez seja uma percepção só por desinformação ou viés pessoal, mas o fato é que sob a ótica de "Top of Mind" são muitos poucos os casos (não que não existam).
Por outro lado, consigo lembrar quase imediatamente de muitos inovadores, disruptores, líderes ou mesmo monopolistas de mercado que venham dos EUA, Ásia ou até mesmo de Israel.
Dada a dimensão, nível acadêmico, poder econômico e história de invenções e avanços científicos e industriais, acho que era esperada uma relevância bem maior da Europa nesse jogo.
Mas acho que com todas os conflitos atuais, com as discussões e eventuais redesenho de blocos e esferas de influência e cadeias de produção globais x regionais as coisas parecem estar mudando.
Nos últimos meses, creio que por conta de todos conflitos e mudanças geopolíticas da atualidade, têm surgido muitos planos de plantas para fabricação de microprocessadores e outros equipamentos high-tech na Europa (antes quase que a totalidade disso era na Ásia).
Recentemente li algo sobre uma rede de computadores quânticos com hardware e software 100% europeu, ou seja, parece que se vê uma movimentação maior no sentido da expansão e competitividade tecnológica por lá.
Mas segundo várias outras matérias e estudos, parece que muita coisa ainda precisa mudar por lá, que o diga então por aqui, onde não vejo esse tipo de discussão pública fazendo da pauta nacional, ou mesmo regional.
Se por lá, com todos os recursos financeiros já não é uma tarefa simples, fico pensando o tamanho do desafio aqui na América Latina, que justiça seja feita, têm seus destaques consolidados e competitivos no mundo digital (ao menos no mercado regional).
Sendo assim, mais uma vez reitero minha tristeza por esse tipo de discussão não fazer parte da pauta empresarial e política na nossa sociedade!
Concluindo
A realidade é clara: as empresas de Big Tech mantêm o mundo digital funcionando, um mundo do qual cada companhia, indivíduo e governo tornou-se absolutamente dependente.
No entanto, esta dependência traz riscos significativos e levanta questões urgentes sobre privacidade, segurança e soberania de outras regiões.
A Europa, sem empresas de Big Tech significativas, enfrenta um dilema digital que exige uma resposta estratégica e coordenada, afinal, ela encontra-se em uma encruzilhada crucial.
De um lado, seus rigorosos padrões regulatórios e programas de incentivo representam um compromisso com a proteção ao consumidor e a equidade de mercado.
Do outro, há um crescente reconhecimento de que tais políticas podem estar impedindo a região de alcançar seu potencial pleno na nova economia digital.
É essencial que a Europa analise as causas de sua posição marginalizada e estabeleça mecanismos para incentivar o surgimento de gigantes tecnológicos que possam competir globalmente.
Minha perspectiva, moldada por anos de experiência no campo da tecnologia e inovação, é que devemos abordar essa dependência tecnológica com uma estratégia robusta que seja capaz de regulamentar as Big Tech existentes, mas ao mesmo tempo fomentar a inovação e o crescimento de novas tecnologias dentro das nossas fronteiras.
Creio que experiências do passado aqui no próprio Brasil com a famosa reserva de mercado dos anos 80 deixou claro que se fechar ao mundo não parece ser a melhor opção para desenvolver a indústria e a tecnologia nacional.
Igualmente, ainda a partir da análise de políticas passadas, a remoção de barreiras regulatórias e o investimento estratégico em startups são passos essenciais para garantir que não apenas sobrevivamos neste novo mundo digital, mas também prosperemos.
Como profissional de TI, reconheço a importância de participarmos ativamente na formulação de políticas e estratégias que direcionem nosso futuro digital.
Somente assim poderemos garantir que essas regiões mantenham a sua competitividade e relevância no cenário digital global.