
E as “placas tectônicas” dos grandes blocos econômicos seguem em movimentação!
Já comentei algumas vezes sobre o quanto os aspectos geopolíticos têm tudo para impactar muito o mundo da tecnologia (entre diversos outros temas).
E aqui vai mais um exemplo dessas movimentações, com a Europa e o Japão firmando acordos de parceria no mercado de microprocessadores.
Deixo aqui o link para uma matéria da ComputerWorld comentando esse assunto:
Em um cenário global onde a tecnologia define o ritmo do progresso e a capacidade estratégica das nações, a formação de alianças robustas entre países torna-se um pilar fundamental para assegurar vantagens competitivas e segurança econômica.
Recentemente, a União Europeia e o Japão estabeleceram uma nova parceria significativa com foco na melhoria da cooperação em questões digitais, especialmente na indústria de semicondutores.
Esta colaboração não apenas fortalece as capacidades internas de ambos os blocos, mas também redefine suas posições no tabuleiro geopolítico global, marcado por intensas rivalidades tecnológicas, especialmente com a China.
Se soma a isso a recente aprovação do Chips Act pela União Europeia, reforçando um cenário que representa um marco na busca por autonomia e competitividade tecnológica frente a gigantes globais e desafios geopolíticos.
O acordo entre a EU e o Japão
A nova parceria entre a UE e o Japão é uma resposta estratégica aos desafios emergentes na cadeia global de suprimentos de semicondutores, um setor reconhecido por sua importância crítica na atualidade.
Durante as primeiras conversas ministeriais da Parceria Digital UE-Japão, ficou acordado que haverá uma cooperação intensa para monitorar a cadeia de suprimentos global de chips e apoiar as empresas japonesas de semicondutores que buscam operar dentro da UE.
Este esforço compartilhado é parte de uma política mais ampla para reduzir a dependência de tecnologia fabricada na China, incluindo semicondutores.
A parceria não se limita apenas aos semicondutores, mas se estende a outras áreas cruciais como a conectividade de cabos submarinos, a resiliência da cadeia de suprimentos para chips, investimentos em computação quântica e de alto desempenho, além de regulação de inteligência artificial.
Esta colaboração multifacetada reflete uma abordagem holística para fortalecer não só a infraestrutura tecnológica, mas também a capacidade regulatória e de pesquisa dos dois blocos.
Ambas as partes, UE e Japão, demonstraram um compromisso financeiro considerável para reforçar suas indústrias domésticas de semicondutores.
Nos últimos meses, a UE e o Parlamento Europeu acordaram em investir 3,6 bilhões de dólares dos fundos da UE para expandir as capacidades de fabricação de semicondutores do continente, atraindo investimentos privados adicionais que totalizam 43,7 bilhões de dólares.
Paralelamente, o governo japonês comprometeu-se a investir 532 milhões de dólares em projetos para desenvolver e fabricar chips de próxima geração no país.
Ação Coordenada no Brasil e na América Latina
Quanto ao Brasil e à América Latina, a questão permanece se haverá uma resposta coordenada que proteja os interesses locais nesse cenário global em mutação.
Historicamente, a região tem mostrado uma capacidade limitada de formular políticas conjuntas em áreas estratégicas, incluindo a tecnologia.
No entanto, a crescente importância da segurança cibernética e da independência tecnológica pode servir como um catalisador para uma ação mais unificada.
O ideal seria que o Brasil e seus vizinhos reconhecessem a urgência de desenvolver uma infraestrutura tecnológica robusta e segura, reduzindo a dependência de tecnologias estrangeiras e fomentando o desenvolvimento local de tecnologias.
Isso não apenas fortaleceria a economia local, mas também aumentaria a resiliência política e econômica da região.
Entretanto, isso requer investimentos substanciais em pesquisa e desenvolvimento, além de uma política governamental que priorize a inovação tecnológica.
Inércia Tecnológica na América Latina
Dentro desse cenário global cada vez mais determinado pelas capacidades tecnológicas dos Estados e dos blocos regionais, a América Latina, incluindo o Brasil, apresenta uma postura preocupantemente passiva.
Enquanto regiões como a União Europeia e os Estados Unidos avançam rapidamente em políticas estratégicas para fortalecer suas indústrias de alta tecnologia, especialmente semicondutores, a América Latina parece estar à margem dessas discussões.
A Falta de Debate Estratégico na América Latina
A ausência de um debate estruturado e aprofundado sobre o desenvolvimento tecnológico na América Latina pode ser vista como uma grande vulnerabilidade.
Enquanto outras regiões do mundo estão se armando com políticas e investimentos significativos em tecnologias essenciais, como semicondutores e infraestruturas de rede 5G, países latino-americanos ainda não delinearam uma estratégia clara ou suficientemente robusta para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades da economia digital global.
Implicações de uma Posição Passiva
A falta de posicionamento ativo em tecnologia não apenas impede a região de competir em igualdade de condições no mercado global, mas também a torna dependente de tecnologias e padrões definidos por outros.
Esta dependência pode resultar em vulnerabilidades significativas, incluindo riscos de segurança nacional e perda de soberania econômica.
Além disso, sem uma base tecnológica forte, a América Latina pode enfrentar dificuldades em atrair investimentos estrangeiros de alto valor agregado, limitando seu desenvolvimento econômico e sua capacidade de inovação.
O Risco de “Ser Posicionado”
Se a inércia persistir, a América Latina corre o risco de “ser posicionada” de forma reativa por outros atores globais.
Isso significa que as decisões sobre como e quando adotar novas tecnologias, ou mesmo quais tecnologias adotar, podem ser tomadas fora da região, com pouco ou nenhum benefício direto para os países locais.
Tal cenário deixaria a região em uma posição de constante atraso tecnológico, lutando para se adaptar a padrões e sistemas que não foram projetados considerando suas necessidades específicas.
A Urgência de Mudança
É crucial que líderes e formuladores de políticas na América Latina reconheçam essa situação como uma chamada urgente para ação.
Não me parece prudente permanecer à margem das dinâmicas globais de tecnologia.
A região deve desenvolver estratégias próprias para investir em pesquisa e desenvolvimento, formação de capital humano especializado e infraestrutura tecnológica.
Além disso, é fundamental estabelecer parcerias internacionais estratégicas que possam ajudar a construir e fortalecer o ecossistema tecnológico regional.
Concluindo
A parceria estratégica entre a União Europeia e o Japão em questões digitais e de semicondutores é um marco significativo no contexto da segurança tecnológica global.
Esta aliança não apenas potencializa o desenvolvimento tecnológico dentro dos blocos participantes, mas também estabelece um campo de jogo mais equilibrado contra a hegemonia chinesa no setor de semicondutores.
Na minha opinião, ações como essas são essenciais para garantir que a Europa e seus aliados possam manter uma independência tecnológica crítica, minimizando riscos e vulnerabilidades associados à dependência de fornecedores externos.
Ao mesmo tempo, tais parcerias incentivam a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias, que são vitais para a competitividade econômica e segurança nacional no longo prazo.
Essas iniciativas reforçam a importância de uma visão estratégica alinhada entre as nações que compartilham valores e objetivos comuns, destacando a necessidade de uma colaboração contínua e intensiva em áreas que definem o futuro da governança global e do equilíbrio de poder tecnológico.
A cooperação UE-Japão é um exemplo claro de como lideranças visionárias podem criar sinergias poderosas que beneficiam não apenas os participantes diretos, mas também moldam o panorama tecnológico mundial de maneira mais ampla e inclusiva.
Este cenário exige uma vigilância constante e uma estratégia proativa para garantir que nossas sociedades possam se beneficiar dessas inovações sem comprometer a segurança nacional e a estabilidade econômica global.
Estamos em um ponto de inflexão, e as decisões que tomarmos agora irão moldar o futuro da soberania digital e da ordem mundial tecnológica.
Pensando especificamente na América Latina, creio que a mesma está em um ponto crítico.
As decisões tomadas agora irão determinar se a região pode se transformar em um participante ativo e competitivo no cenário tecnológico global ou se continuará a ser um ator passivo, sujeito às decisões e interesses de outros.
A inércia atual não é apenas uma oportunidade perdida, mas uma ameaça real ao crescimento econômico sustentável e à soberania tecnológica.
Portanto, é imperativo que se adote uma abordagem mais proativa e deliberada em relação ao desenvolvimento tecnológico, garantindo que a América Latina possa garantir seu lugar e voz no futuro digital.